sábado, 19 de fevereiro de 2011

INÁCIO ERA VALENTE.

Alinor Rodrigues

 

Nos idos anos trinta e quarenta do século vinte, ser valente dava prestígio. Pelo menos sou contemporâneo, e pelo que fui informado pela história, já desde muito antes era assim.

      Inácio era um homenzarrão, com seus 120 kg de peso e 1,96m de altura. Além de muito forte, sua presença com tal estatura era o suficiente para impor respeito entre os simples mortais, ainda mais com um detalhe: sua fama de valente.

      Trabalhávamos na construção da Ferrovia Rio Negro no Paraná a Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul.

      Nosso trecho ficava em Santa Catarina desbravando a Serra do Espigão, que consistia na construção de onze túneis, alguns com até 4 km de extensão.

      Vivíamos num acampamento. Eu com meus quatorze anos trabalhava na oficina de campo para manutenção do equipamento pesado da linha Caterpilar; trator de esteira D-8 com lâmina, Tornapool, DW-21, retro-escavadeiras, moto-niveladoras, compactadores, etc. Energia elétrica produzida por motor a Diesel. Barracos de madeira.

      A construção era executada pelo Segundo Batalhão Ferroviário do Exercito Brasileiro, sediado em Rio Negro-PR.

      A obra comandada pelos militares mantinha em grande maioria, trabalhadores civis. Mas no acampamento a disciplina tinha que ser mantida com rigor de quartel, o que não era fácil. Homens rudes e em grande parte ignorantes, vivendo isolados da civilização, fazendo trabalho duro, é um verdadeiro vulcão, pronto para expelir pedras e lavas incandescentes.

      O detalhe curioso, é que os ânimos daqueles homens, ficava exacerbado quando se ouvia pelo rádio notícias vindas da segunda guerra mundial, que os canhões nazistas ainda troavam por toda Europa.

      No trecho da serra, há – até hoje – uma obra espetacular: Entra-se num túnel em curva, de uns três km, na saída, está um viaduto com 800m de extensão e setenta metros de altura, que termina na boca de outro túnel.

      Certo dia, lá vem Inácio dirigindo um jeep pelo piso da obra que ainda não tinha  recebido os trilhos. Em sentido contrário, vem Zé Baiano também dirigindo um jeep. Acontece que tempos atrás, o Inácio andou se "engraçando" pra cima de Nazira, mulher de Zé Baiano. Zé, por ser pessoa de menor porte físico não arriscou um acerto de situação num corpo a corpo com seu rival cafajeste que aliás, era considerado como o leão do acampamento. De modo que só ficou a intriga.

      Agora, saindo cada um em sentido contrário de dentro de um túnel e não havendo espaço para dois veículos se cruzarem  sobre um viaduto de setenta metros de altura e o fato de serem dois inimigos, fatalmente a solução do problema teria que ser definitiva.

Zé Baiano, cabra de sangue quente e liso na peixeira não se acovarda...E lá vem o Inácio com olhar de jacaré no choco trazendo seu jeep rumo ao encontro.

      Zé seria obrigado a dar marcha ré, já que a distância dele é menor. Teria ele de passar por essa humilhação?... Não! Ficou parado sobre o viaduto a quarenta metros do início. Teria que provar ali, a defesa de sua honra e sem ninguém por testemunha...

      Inácio chega, os para-choques se encostam. Ambos saltam do carro. Inácio vem calmamente, olhando firme para o olho do Zé, certo de que para ele isso seria moleza.

      Zé Baiano, olhando pras nuvens, respira fundo a brisa fresca que sopra, e no momento exato em que Inácio salta sobre ele puxando-o em seu encontro Zé, com a destreza de um raio passa-lhe a peixeira na garganta, lançando-se os dois num mergulho para o espaço, para acertar suas diferenças ao sabor da brisa daquele entardecer entre as montanhas...

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